TECNOFOBIA OU CONSUMISMO?

 
 

Na segunda metade do século XX, o psicanalista francês Jacques Lacan faz referência a estes objetos de desejo e sua inserção na lógica capitalista. Segundo ele, os que são intensamente tomados pela velocidade do desenvolvimento tecnocientífico – chamados de “sujeitos-mercadoria” – investem em tornarem-se “desejáveis”, portanto “consumíveis”, aos olhos de eventuais parceiros ou do Mercado. Essa abordagem é encontrada de forma semelhante em publicações mais atuais e acessíveis de outros pensadores, como o sociólogo polonês Zygmunt Bauman e os filósofos franceses Gilles Lipovetsky e Jean Baudrillard. Independente de sua relevância sociocultural, tal pensamento – ou sua interpretacão equivocada – pode contribuir para um olhar tecnofóbico, que no âmbito artístico, representa uma postura um tanto ingênua diante de questões contemporâneas. 

A história do cinema guarda um dos mais curiosos exemplos da tecnofobia, tendo em vista sua própria origem pós revolução industrial e sua condição mecânica para existência. Charles Chaplin, Fritz Lang, Ridley Scott, Stanley Kubrick e outros realizadores ainda mais populares se não trataram diretamente o medo do avanço da tecnologia em suas obras, usaram-no como metáfora para outras fobias. No entanto, o crescimento do acesso à tecnologia cada vez mais possibilita a produção independente no cinema e a inclusão de criadores não especializados em diferentes meios.

Os fenômenos oriundos do acesso à tecnologia são ainda mais nítidos na música. A composição eletrônica foi combinada com outros estilos e absorvida nas periferias e favelas. No Brasil, o funk carioca e o tecnobrega são exemplos do sucesso dessa produção independente. Tanto nas apresentações ao vivo destes estilos como na cena hip hop é possível encontrar batidas geradas através de gadgets, como MPCs (hardware sampler) ou MPDs (software sampler). 

Apesar de cada vez mais frequentes em nossas vidas, vale lembrar que os gadgets não são uma realidade em todo o Brasil. Se ainda é restrito o acesso à eletricidade em alguns pontos do país, o acesso à internet, dispositivos eletrônicos, hardwares e softwares é impraticável. Os obstáculos que envolvem peopleware (usuários de tecnologia) faz da criatividade uma solução primordial. De um certo modo, esses fatores combinados com nosso conceito modernista de antropofagia geraram na produção nacional um espaço para obras construídas a partir de referências tecnológicas obsoletas (low-tech).

Atualmente, a tecnofobia e um certo “purismo” inicial foi superado. O cinema é criado e projetado com equipamentos digitais. As artes plásticas incorporaram as novas mídias, mesmo que o termo seja impreciso e retome a idéia de novidade como parâmetro de análise, ressuscitando um paradigma das vanguardas modernas. É o que questiona a artista e professora de Cultura Digital (PUC/SP) Giselle Beiguelman sobre a “dificuldade do sistema de arte contemporânea em absorver a cultura de rede e a digitalização do cotidiano nas suas expressões mais radicais”. De qualquer maneira, festivais e coletivas especializados surgiram em todo o mundo. Criadores não se ausentaram em fazer uso da tecnologia meramente como tema ou instrumento em sua produção, assim como os meios tradicionais não foram abandonados. As obras relacionadas às mídias digitais passaram a complexificar a tecnologia no campo estético, conectadas à pesquisa do desenvolvimento da informação, comunicação e ciência.

A exposição I <3 MY GADGET opera com a dicotomia perante a evolução tecnológica. Entre os que são uma ode à tal evolução e outros críticos, diferentes níveis de ironia e afetividade são estabelecidos pelos artistas nas obras selecionadas para a primeira edição do galpão da BlankTape

 
 

Paulo Mendel

curadoria

 
 
 
 

agradecimento BakerIE | Walter Patrick Smith | Julie Martin | Hans-Cristoph Steiner | Shawn Van Every | Alex Tyson | Made-Up Disease | Isabela Alzuguir | Leopoldo Caseiro | Overmundo | Galeria Experiência | Lucas Bambozzi | Maria Monteiro | Carolina Apolinário | Fabio Alves | Adam Patch

 
 

São Paulo, Brasil | 2010