INTRO

Por mais conveniente e democrático que seja baixarmos músicas por SoulSeek, LimeWire, uTorrent ou qualquer outro programa de transferência de dados, algumas especificidades da época analógica – vinil, fita cassete – até o início do digital – CD – foram perdidas. Um exemplo disso são as hidden tracks (faixas escondidas) que só podiam ser encontradas após a audição de todo álbum. Antecedidas por um longo período de silêncio (ou melhor, dos ruídos de atrito da agulha no vinil ou da fita magnética rodando) o ouvinte ia de encontro ao inesperado, sendo pego de surpresa pela música.

Yuri Suzuki ficou intrigado em como a música sobreviveria nas novas gerações por conta da digitalização. Segundo ele, o disco é a mais moderna mídia da tecnologia de gravação analógica. “Se você pensar no gramophone criado por Edison, fica nítido que os discos podem sobreviver e serem reproduzidos apos séculos.”, afirma o artista. Talvez por isso os discos despertem tamanha atenção em seus trabalhos, como por exemplo Prepared Turntable. O designer cria uma maneira do público compor a partir da busca e sobreposição de diferentes trechos de uma mesma fonte sonora, resultando num trabalho que abrange o tempo como questão. O objeto é uma pickup (toca-discos) com cinco braços que além de exposta também integra performances do artista, como a apresentada no Sonar 2009. Este tipo de prática tem forte relação com o turntablism, um termo ainda sem tradução para o português que se refere à performance com interferência no uso de pickups criando uma nova sonoridade. Não deve ser confundido com o ato do DJ por mais que também possa sê-lo. De forma semelhante funciona Sound Chaser. Ao colocar um carrinho com uma agulha para andar em um percurso montado com fragmentos de discos de vinil, obtemos uma espécie de medley ou mashup (uma mesma faixa contendo várias músicas, geralmente realizada com hits musicais). O trabalho, que lembra muito um brinquedo, opera como um DJ mixando canções.

Suzuki também criou em Sound Jewellery uma forma literal de valorizar o som ao transformá-lo numa jóia, como uma pulseira. Este trabalho ganha mais uma variante no Brasil. No final de 2007, a última fábrica de discos de vinil da América Latina fechou suas portas após quase uma década em que nenhuma grande gravadora brasileira produzia neste formato. Durante este período, o mercado se viu dominado pela venda de CDs e, posteriormente, ameaçado com a proliferação do MP3. Sendo assim, o material em si pode realmente ser considerado um artigo de luxo. Contudo, o vinil não é apenas a matéria. Assim como as pessoas gravam nomes e datas em suas jóias , o artista passou a gravar memórias sonoras nas peças. Uma risada de alguém querido ou uma importante conversa ao telefone podem ser carregados no acessório. O que poderia ser entendido como sarcasmo ganhou merecida dose de poesia.

De fato, a relação do ouvinte com a música transformou-se consideravelmente nos últimos anos. No ponto de vista material; as estantes com vinis, pilhas de fitas e CDs concentraram-se virtualmente no computador ou na rede. As lojas de aluguel de CDs, ponto de encontro no Brasil da juventude antenada dos anos 90, não possuem mais utilidade. O walkman, discman e rádio portátil – símbolo do hip hop old school – foram massivamente substituídos por mp3 players e a celulares, com baterias muito mais potentes. Entretanto, a venda de discos de vinil nos Estados Unidos cresceu significativamente no período pré-crise, sendo que quase a metade dos colecionadores não possuem sequer um aparelho para reproduzí-los. Os CDs tornaram-se o novo alvo da especulação midiática como um objeto “em extinção”. Nas ruas, os iPods foram camuflados dentro de walkmans vintages, chamados de retropod. Os DJs que tocam com discos estão mais valorizados e continuam montando seu repertório com lançamentos em vinil.

Por mais que o processo de digitalização tenha arrebatado a música, assim como outros setores, não vivemos numa época inflexível. Os formatos podem conviver sem se anularem e até mesmo podem funcionar em conjunto, no mesmo aparelho, como as pickups que convertem discos para mp3. Outro exemplo é o iTunes LP. Na loja virtual de música da Apple, já é possível adquirir álbuns em mp3 com as vantagens visuais do vinil. Tudo indica que as indústrias entenderam o desejo do mercado pela diversidade e um certo fetichismo com tecnologias consideradas obsoletas. Ou melhor, entenderam como isso é potencialmente lucrativo.

 
 

Paulo Mendel

curadoria

 
 
 
 

The Physical Value of Sound foi exposta em Maio de 2009 na Clear Gallery / Tóquio. A versão online que a BlankTape apresenta, reúne mais trabalhos do que a versão original. No videowall – formado por nove telas do lado direito do galpão – é possível acessar outras criações do artista que envolvem som, além de dois vídeos realizados pela Clear Gallery na época da exposição. Destaque para o trabalho “The Animatic”, uma instalação que utiliza diferentes técnicas de construção da imagem em movimento com a finalidade de criar uma animação.

tradução     Isabela Alzuguir      agradecimento     Palm Pictures | Cindy Banach | Matizar Filmes | Mariana Ferraz | Made-Up Disease | Felipe Meres | Carolina Apolinário | Giorgio Ronna | Vivian Caccuri | Paulo Ming

 
 

 São Paulo, Brasil | 2010