PROCURANDO ADA

O Dia de Ada Lovelace (Ada Lovelace Day) é uma comemoração internacional para celebrar as realizações da mulher no campo da tecnologia e da ciência. Ada era filha do poeta Lord Byron. Nasceu em 10 de dezembro de 1815. Aos 20 anos, assumiu o nome do marido e o título de condessa tornando-se a Condessa de Lovelace, a Sra. Augusta Ada King. E com o nome de Ada Lovelace entrou para a história ocidental como a primeira programadora de computadores. Não só a primeira mulher programadora, a primeira pessoa programadora.

Durante 9 meses, entre 1842 e 1843, Lovelace criou um algoritmo para o cálculo da sequência de Bernoulli usando a máquina analítica de Charles Babage. Mas apesar de sua importância para o mundo digital atual, a figura de Ada Lovelace é desconhecida e relegada ao segundo plano, pois Babage por muito tempo permaneceu como único inventor da primeira máquina de calcular da história. Pensando nisso, Suw Charman-Anderson, uma jornalista britânica e ativista fundadora do Open Rights Group, um dos principais centros britânicos em prol da igualdade dos direitos digitais, criou, no ano passado, o Ada Lovelace Day, uma ação em rede onde os celebrantes de Ada, em sua maioria mulheres, dedicam um post a essa pioneira da informática e das ciências exatas em seus blogs e sites

Apesar de girar em torno da figura emblemática de Ada Lovelace – que se tornou uma éfige para as lutas feministas manifestadas em torno da questão das assimetrias de acesso as tecnologias – a figura central do Ada Lovelace Day é a própria fundadora, a inglesa Suw Charman-Anderson. Encarnando os preceitos repetidos pelos panfletos ciberfeminitas das décadas de 90 e início do ano 2000, Susan, ou Suw como ficou conhecida, é um exemplo a ser seguido. Não somente pela sua luta e ações a favor da igualdade de acessos e direitos à cultura digital, mas pelo seu percurso de desbravamento em um campo hegemônico masculino que é o jornalismo científico. Suw enfrentou um desbravamento duplo: antes de passar pela escrita áspera e sisuda do texto científico, se formou em Geologia pela Universidade de Cardiff, campo ainda mais restrito à presença feminina.

Após se formar, direcionou sua carreira para a pesquisa científica, mas sem se afastar do jornalismo, publicando editoriais sobre biologia. E como todo bom percurso deve ser pavimentado também em desvios, atalhos e digressões, adicionou ao seu currículo a possibilidade da diversidade ao produzir paralelamente os fanzines do Radiohead, o que a levou a dois anos de trabalho como colaboradora da revista Melody Maker, escrevendo sobre cultura geek e música. Suas atividades diversas a levaram posteriormente à blogosfera, onde ficou conhecida pelo seu intimista Chocolate and Vodka, e pelo blog voltado a questões sobre cultura digital e novas mídias Strange Attractor. Susan fez parte da primeira leva de jornalistas independentes que deram aos blogs a função editorial e opinativa, substituindo a atribuição inicial de dear diary (querido diário), comum no período inicial da ferramenta no fim da década de 1990 e início dos anos 2000. Seu sucesso como agitadora digital e como como consultora de Softwares Sociais a levou para empresas como MSN e BBC On-line e posteriormente a fundação do Open Rights Group, um dos principais centros britânicos em prol dos chamados direitos digitais, que teve início em 2005. O ORG também conta com a participação de outros nomes de peso do ciberativismo como Cory Doctorow, do Boing Boing, e do jornalista britânico Danny O´Brien.

O contexto do aparecimento de Suw no mundo digital não pode ser deixado de lado. Em meados da década de 1990 e início dos anos 2000 , um novo feminismo ganhava forças clamando por uma presença feminina nas redes eletrônicas de comunicação, já que a presença de mulheres nas profissões de tecnologia e informática era muito inferior à masculina. Hoje o contingente de mulheres em algumas áreas das Internet já é bem maior. Um exemplo é o levantamento feito pelo site InformationIsBeautiful.net, por meio da ferramenta Google Ad Planner, que oferece detalhes dos principais endereços da internet (tirando alguns sites do Google), as mulheres já são maioria nas redes sociais. Entre 17 sites analisados, 12 têm maioria de público feminino. O Facebook, por exemplo, tem 57% de mulheres. Já no Flickr, 55% dos usuários são do sexo feminino. No MySpace , a predominância feminina é de 64%, enquanto no Hi5 as mulheres correspondem a 54% do público frequentador. Mas questões sobre como incentivar a participação no contexto das tecnologias da comunicação ou como tornar interessante às mulheres o aprendizado dos códigos de distribuição , acesso e produção das tecnologias de informação ainda são pertinentes e devem ser, cada vez mais, atiçadas! Não basta apenas “frequentar” a rede , devemos também poder subvertê-la , lê-la nas entrelinhas, para assim termos livre acesso às suas estruturas e discursos de poder.

A trajetória de Suw Charman-Anderson nos inspira, apesar de se dar em um outro contexto sócio-político. Então, como pensar essas histórias de mulheres-em-redes no contexto brasileiro? Como podemos torná-las públicas? Também são essas questões que nos devem fazer pensar. Em 2010, o Ada Lovelace day será novamente comemorado no dia 24 de março, mas desta vez ganha uma proposta diferente no Brasil. O evento será apenas um pretexto para que as questões colocadas ao longo desse texto, na medida do possível, apresentem novas experiências de gêneros, criatividade e expressões em relação à tecno-ciência para além da mera lembrança da figura de Ada Lovelace.

BR.ADA, coletivo experimental em busca de uma experiência tecno-artístico-feminista para mulheres brasileiras e da América Latina, se inspira nas ações de Suw Charman-Anderson, e outras tantas mulheres inseridas neste mesmo campo, para dar início a suas atividades que pretendem celebrar e apresentar ao público Brasileiro, as diferentes realidades e experiências femininas no mundo digital. No blog do coletivo você pode acompanhar e participar desta investigação em um território, que apesar de incipiente no Brasil, ganha cada vez mais espaço devido a cada vez mais massiva presença feminina nas redes digitais e tecno-científicas.

 
 

BR.ADA + BLANKTAPE

A ação conjunta do coletivo BR.ADA com a BlankTape também visa trazer a pesquisa para mais perto do cinema, da videodança e da videoarte. Nas últimas décadas, a mulher tem sido, cada vez mais, uma figura central recorrente na produção de cineastas importantes, como Margarethe von TrottaLars von TrierSofia Copolla e Pedro Almodóvar. Uma das possíveis explicações para isso se deve ao rápido processo de transformação do papel feminino na sociedade ocidental, e aos efeitos subjetivos do novo lugar que elas ocupam. Tendo em vista que pelo menos três gerações convivem na estrutura familiar atual, o atrito entre valores tradicionais e novas posturas sociais ainda se mostra inevitável, agravado por um machismo dominante tratado com normalidade.

Algumas das questões concernentes à mulher causam polêmica dentro e fora da tela. Isso pode ser visto no documentário Murder (2009), de Andreas Johnsen, que expõe a dificuldade de discutir o tema do aborto na Nicarágua. Em Paris, em uma exibição de outro filme sobre o mesmo tema – Um Assunto de Mulheres (1988), de Claude Chabrol –, militantes católicos explodiram uma bomba de gás, causando enfarte fulminante em um dos espectadores. Baseado em fatos reais, o filme gira em torno da dona de casa e faiseuse d’anges (alguém que faz abortos; a tradução literal, em português, seria “quem faz anjos”) Marie-Louise Giraud, uma das últimas mulheres guilhotinadas na França.

A complexidade do assunto aumenta ao considerarmos as culturas orientais, caracterizadas por uma relação extremamente desigual entre gêneros . Um exemplo é apresentado no filme iraniano O Círculo (2000), de Jafar Panahi, recentemente preso por seu engajamento político. O filme começa em uma maternidade, onde uma mulher grávida descobre que seu bebê é uma menina, e insiste em alegar que o ultrassom indicava o contrário. O diálogo acontece por uma pequena abertura na porta da maternidade, que mais lembra a porta de uma cela solitária.

A reflexão sobre gênero ganha mais um complicador se desconsiderarmos o modelo tradicional da dicotomia homem/mulher. Como afirma Gabriel Baur (também conhecida como Gabrielle Baur), diretora do documentário sobre drag kings e transgêneros Venus Boyz que apesar de não ter trocado de gênero,  assumiu um nome restrito aos homens: “Fiquei fascinada pela questão de como a sociedade define termos como ‘masculino / feminino’, por exemplo, o que associa com ‘a mulher’ em oposição ‘ao homem’”. É também por isso que, independentemente desta exposição ser um ode à mulher e a força de sua produção, BR.ADA: Celebrando Ada é aberta a todos, como uma boa comemoração deve ser.

 
 

BR.ADA

Paulo Mendel

curadoria

 
 
 
 

O coletivo BR.ADA é formado por Anaisa Franco, Lilian CampesatoNina GazireVanessa de Michelis e Vivian Caccuri.

 
 

tradução           Isabela Alzuguir

agradecimento Mark Fisher | Nina Power | Marisa Jahn | Silvia Hayashi | Laura Faerman | Liliana Tal | Giorgio Ronna | Mariana Abasolo | Made-Up Disease | Felipe Meres | Lisa Foti-Straus | Suw Charman-Anderson | e todos os inscritos

 
 

São Paulo, Brasil | 2010