ENTREVISTA

Suw Charman-Anderson

por Nina Gazire

ilustração Paulo Mendel brada_entrevista_suw_1 A entrevista com Suw Charman-Anderson apresenta o contexto sócio-político que a levou a criar o Ada Lovelace Day. Sua iniciativa foi difundida mundialmente pela internet, e adaptada aos mais diversos contextos culturais. Suw aqui explica como é possível celebrar desde as mulheres na ciência e áreas de desenvolvimento tecnológico, assim como as mulheres que se ulilizam de meios técnicos para outros fins, como a cultura, a arte e a comunicação.

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Nina Gazire: Fundado em 2009, o Ada Lovelace Day celebra, em 24 de março, a importância das mulheres na ciência e na tecnologia. Como você decidiu criar o Ada Lovelace Day? Há novidades no formato do evento para a edição de 2010?

Suw Charman-Anderson: Resumidamente, eu estava cansada de todas as conversas nas quais me perguntavam sobre o envolvimento das mulheres em tecnologia, quando de fato eu conhecia muitas mulheres nesse campo. A invisibilidade das mulheres, muitas das quais estão fazendo excelentes trabalhos, é uma questão que acreditei que deveria ser apresentada, caso voltássemos nossa atenção, volta e meia, para discussões relacionadas às realizações de mulheres. Este ano, as novidades são os eventos offline em Londres, Sheffield, Montreal, Dresden, Copenhagen e, naturalmente, o evento de vocês também.

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NG: Ada Lovelace nasceu em 10 de dezembro de 1815. Por que você escolheu 24 de março para comemorar as conquistas de Ada? Qual a importância das descobertas de Ada para a mulher atual, além do fato de Ada ter criado a primeira linguagem de computação na história? O que as descobertas e as ações de Ada representam?

SC: Dezembro é um período atribulado para a maioria das pessoas e, devido à proximidade do Natal, achei que seria melhor estabelecer a data na primavera, o que nos proporciona tempo suficiente, após o ano novo, para executar a divulgação. Quanto mais aprendo a respeito de Ada, mais acredito que ela foi uma grande representante das mulheres na tecnologia. Ada era inovadora e criativa, ainda que as expectativas sociais ditassem que mulheres não deveriam envolver-se em campos como a matemática ou a engenharia. Atualmente, as mulheres têm muito mais liberdade do que Ada teve, mas ainda há preconceitos, que devem ser combatidos – muitos dos quais são sutis e de difícil percepção. Ainda se espera que mulheres afastem-se de determinados assuntos como a matemática, a computação e a tecnologia, e sua aptidão natural é constantemente desvalorizada. Ainda há muito a ser feito até que possamos enxergar as mulheres em posição equivalente à posição dos homens.

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NG: Antes de ingressar no mundo digital, você iniciou sua carreira escrevendo para o jornal “Gair Rhydd” e para o boletim informativo “Jollyogist”, do departamento de geologia Universidade de Cardiff, na qual você obteve um diploma em geologia. Como uma mulher, você enfrentou dificuldades para ingressar em campos dominados por homens, como a geologia e o jornalismo científico? De que modo seu trabalho inicial a ajudou a observar as diferenças entre homens e mulheres na ciência e na tecnologia?

SC: Sim, trabalhei no jornal “Gair Rhydd” (que significa “mundo livre” em galês), da minha universidade, e no boletim informativo do departamento. Creio que, no início dos meus 20 anos, eu estava alheia a muitas coisas ao meu redor, fazendo apenas o que pensava que atrairia o interesse das pessoas, sem considerar as reações de terceiros e as opiniões a meu respeito. A ingenuidade foi-me muito útil, na verdade, pois permitiu que eu fizesse coisas que talvez não tivesse tentado. Mas, certamente, havia preconceito, na escola e na universidade, em relação a uma mulher no campo científico – e muitas vezes, isso vinha de outros estudantes, e não de professores ou de palestrantes. Era raro ver um machismo óbvio, mas ele existia de maneiras sutis. Quando um garoto falha em alguma coisa, por exemplo, ele é encorajado a continuar, a tentar novamente. Quando uma mulher falha, a atitude é mais “bem, você tentou. Não importa, tenho certeza que você pode fazer outra coisa”, e eu definitivamente acho que sofri um pouco com isso. Não entendi essa questão muito bem, no entanto, até recentemente. Após dez anos [trabalhando] em tecnologia, vejo o problema com muito mais clareza.

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NG: A presença feminina no ativismo digital tem aumentado desde o final da década de 1990, e durante toda a década de 2000, devido a diversas razões, como cyberfeminismo, redes sociais, e assim por diante. De acordo com uma pesquisa da empresa Rapleaf, as mulheres superam os homens nas mais importantes redes sociais, como Facebook, MySpace e Twitter. Como você enxerga esse fenômeno? De que modo mulheres ativistas podem utilizar as potencialidades da Internet para diminuir as assimetrias de gênero no acesso à comunicação e à tecnologia?

SC: A web dá, às mulheres, uma voz que elas não tinham antes. Podemos divulgar nossos sentimentos tão facilmente quanto os homens podem, podemos colaborar com a democracia e com o ativismo tão facilmente quanto os homens podem, e é importante que aproveitemos essa oportunidade. Ao participar, e ao apoiar outras mulheres a se engajarem, podemos diminuir as assimetrias pela nossa própria ação coletiva. É essencial criar novos exemplos femininos em todas as áreas da comunicação e da tecnologia. Temos muitos exemplos masculinos, portanto devemos nos perguntar, quem são as mulheres importantes para nós? Quais são as mulheres engajadas? E como podemos emular isso?

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NG: Como você avalia a receptividade do Ada Lovelace Day em tantos países diferentes? Em que medida você acha que a figura de Ada Lovelace pode ser adaptada ao contexto cultural de diferentes países, como o Brasil, em que apenas 24% dos lares têm acesso à Internet?

SC: Ada Lovelace Day é, em essência, um movimento popular. Sou apenas sua guardiã neste momento. Isto significa que qualquer pessoa é livre para adaptar o conceito para sua própria cultura. Como é uma idéia simples – celebrar as mulheres envolvidas com tecnologia, ciência e engenharia –, é muito fácil se adaptar a diferentes países. É simplesmente uma questão de encontrar, em cada local, as mulheres certas como “modelos”, exemplos que ilustrem o que estamos tentando fazer! O fato de apenas 24% dos lares brasileiros terem acesso à Internet não é tão importante, neste sentido, porque é igualmente fácil organizar pequenos eventos locais para celebrar mulheres. No ano passado, recebemos cobertura na TV, no rádio e na maioria dos grandes jornais nacionais – desta maneira, a mesma iniciativa no Brasil alcançaria muitas pessoas que não têm acesso à Internet. Ada Lovelace Day é apenas uma idéia, e idéias são transmitidas sempre que as pessoas falam. A data não depende da Internet, embora a Internet garanta um avanço!

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NG: Você esteve presente no início do ativismo digital pela responsabilidade e pela igualdade em direitos digitais, em diferentes ações, como o Open Rights Group. Você também observou o fenômeno da “bolha” pontocom, assim como o rápido desenvolvimento da Internet no fim dos anos 1990s, como consultora de uma empresa online. Como foi a experiência de transição entre contextos tão diferentes? O que mudou desde então?

SC: Estou acostumada a contextos em transição! Formei-me em geologia, e trabalhei com editoria científica antes de me tornar uma jornalista musical. Sinto-me confortável com mudanças e com variações. Procuro padrões subjacentes que indiquem a minha maneira de pensar, e a maioria dos padrões subjacentes pode ser deslocada de um contexto para outro, e ainda assim fazer sentido! As principais mudanças desde a formação do Open Rights Group estão relacionadas à disponibilidade atual de ferramentas que ajudam as pessoas a participar do processo democrático, e é muito mais fácil atingir um grande número de pessoas através da Internet. As redes sociais, como Flickr, Facebook e LinkedIn, têm permitido que indivíduos alcancem, potencialmente, literalmente milhões de outras pessoas, então idéias podem se propagar com muita rapidez. Isso não acontece com todas as idéias, mas o potencial está lá. Em última análise, Ada Lovelace Day ressoa com um monte de gente. Nós ainda temos um longo caminho a percorrer antes de alcançar a igualdade, mas cada pequena ação, cada postagem em um blog, cada conversa, tudo ajuda. Encontrar mulheres incríveis que têm feito um trabalho admirável em áreas dominadas pelos homens e, em seguida, falar sobre elas, é algo que todos nós podemos fazer para elevar seus perfis e o nível de igualdade entre homens e mulheres.

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