ENTREVISTA

Brian Joseph Davis

por Paulo Mendel

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O último século foi marcado por novas estratégias de composição e ferramentas que antes não faziam parte do universo de um músico. É cada vez mais comum vermos compositores que não trabalham com notação musical e com instrumentos convencionais.

Ainda estão por ocorrer significativas mudanças referentes à interação do computador, não apenas relacionadas a hardwares e softwares. Da relação do comando copy/paste com samplers ou a compilação de sons orgânicos para gerar uma composição eletrônica, estamos no caminho de mão dupla entre o real e virtual até que esses limites não façam mais sentido.

Muitas das grandes contribuições no que diz respeito à composição podem ser percebidas fora do cenário musical – como nas obras do artista canadense Brian Joseph Davis, que nos concedeu uma entrevista sobre sua produção.

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BlankTape: Para começarmos, gostaria que falasse sobre sua experiência com Original Soundtrack (“Trilha Sonora Original”, 2008), performance na qual você manipula o áudio dos menus em loop de 20 DVDs, de modo a criar uma composição musical com a duração de um longa-metragem.

Brian Joseph Davis: Fiz isso porque queria criar algo de beleza inquestionável, como os primeiros trabalhos de Gavin Bryars. Morno e denso. [O trabalho] combinou meu amor crucial pelas tecnologias da escuta, e meu amor quase religioso por loops e por trilhas sonoras. Em algumas performances, utilizei os controles de volume de TVs. Em outras ocasiões, precisei usar um mixer para controlar o som em grandes espaços.

Creio que o que mais gosto a respeito de Original Soundtrack é a pequena janela para que isso tenha acontecido como um trabalho musical. Menus em loop estão fora de uso. Notei isso em DVDs de alto nível, como a coleção Criterion. Será que os menus que parecem sobre-determinados agora são considerados inferiores? Um exemplo de “música utilitária” (um antigo termo esnobe)?

[A obra] também é regida (com regência gráfica), algo que eu nunca havia feito.

Trata-se de uma idéia simples, mas que quase me arruinou fisicamente e financeiramente. Levei esse trabalho a três cidades, e cada produção envolvia encontrar 20 aparelhos de TV, 20 DVD players e, em todos os casos, meu patrocínio foi reduzido imediatamente antes ou, em uma ocasião, cancelado no dia anterior à viagem. Um assunto muito chato, eu sei, mas nesse tipo de arte, significa 90 por cento do trabalho. Então, por enquanto, estou focado em escrever e em adaptar obras para performances. Trabalhar com palavras e com artistas é uma idéia muito durável. Nunca mais quero ver um tubo de raios catódicos! Que se dane a nova carne.

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BT: Você também é autor de livros e roteirista das performances Voiceover (2009) e Johnny (2007) , ambas criadas a partir de uma extensa pesquisa com diálogos em filmes. Ainda que esteja baseado no cinema, você utilizou o conceito do sampler, um recurso musical, para dar forma aos trabalhos. Qual a relação que estabelece entre palavra e música? E por quê o cinema? Ele serve apenas como um elemento de composição pré-existente à obra (característica comum a seus trabalhos)?

BJD: No mês passado, Matt Timmons do CalArts me chamou de “artista pós-cinema”. Achei isso bastante adequado: i.e. filmes sem fazer filmes. Por quê o cinema? Acho que é porque consiste em uma arte social. É uma arte que sugere uma audiência e, nisso, implica uma sociologia. Sou continuamente atraído por uma língua franca, e quero que o maior número possível de pessoas possa compreender uma peça. A gramática cinematográfica é bem compreendida através de culturas e idiomas.

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BT: A sobreposição de 60 camadas referentes a 60 pessoas cantando a mesma música é um dos formatos de Yesterduh (2006). Você também apresenta algumas faixas individuais nas quais os participantes inventam as letras, já que sua orientação era que não houvesse ensaio. A subjetividade da percepção é fundamental para a construção deste trabalho. Um dos fatores que o diferenciam na sua produção é o fato de que não se trata de um registro absoluto em uma mídia (como o DVD ou o vinil), e sim de um registro da memória de cada um. Como foi esse processo?

BJD: Foi um processo muito difícil de negociação. Tentei torná-lo o menos exploratório possível – pessoas foram pagas, construí uma cabine de gravação bacana, com tapetes ornamentados no chão – e a maioria dos envolvidos se divertiu. Alguns tiveram dificuldades (um homem me devolveu o dinheiro, envergonhado), mas a maior parte encontrou um desafio interessante e um exercício de memória, e ficou verdadeiramente surpresa e entretida pelo que cada cérebro fez com a faixa.

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BT: Em Greatest Hit (2006), você condensa vários sucessos de diferentes artistas em uma única faixa de acordo com temas, como All You Get From Love is 22 Songs (“Tudo o Que Você Recebe do Amor São 22 Músicas”) e I’m Every Song (“Eu Sou Cada Música”), levantando a pergunta: “Neste mundo tão atribulado, quem tem tempo para um disco inteiro?”. Ao contrario de Yesterduh, produzido no mesmo ano, essa sobreposição parece buscar mais pontos de encontro ocasionais do que explorar suas diferenças. Greatest Hit tem uma conotação crítica à estrutura da música pop, ou refere-se apenas à velocidade contemporânea? Qual o papel da cultura pop em sua poética?  

BJD: Ótima sacada sobre as relações e as diferenças entre essas obras. Em Greatest Hit, como em Original Soundrack, foi uma questão de timing. Aquela época realmente representou o fim do disco de trabalho, e a ascensão das listas de mp3. Uma coleção de sucessos resulta de diversas fontes, de modo a oferecer a uma audiência exatamente o que se crê que a mesma deseja. Minha idéia era estender esse processo às próprias músicas. Com o trabalho em camadas, será que elementos que os fãs gostavam se tornam aguçados e em primeiro plano, enquanto outros seriam, literalmente, sinais cancelados? O resultado foi um desagradável agrado.

Não critico a cultura pop. Faço parte da cultura pop – a parte sarcástica. Toda a cultura é popular – algumas o são um pouco menos. O que fiz nessas obras foi hackear primitivamente tecnologias que estavam em fluxo, e entre a maneira como as utilizávamos e a forma como as exploramos atualmente.

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BT: O disco de vinil é novamente matéria-prima em 10 Banned Albums Burned then Played (2005). Independentemente da diversidade das bandas e dos artistas, uma vez que reúne The Beatles, Prince, 2 Live Crew, Dead Kennedys, e até mesmo Stravinsky e Mahler, todos os resultados soam como um remix Noise ou Industrial. Parece que a manipulação artesanal dessa mídia, o vinil queimado, remete aos efeitos atingidos por softwares e plugins na produção de rock ou eletrônico. Como você percebe a digitalização da música?

BJD: Curioso, fui a uma festa ontem à noite, e o poeta digital Bill Kennedy estava falando sobre “música popular estruturalista”. Bandas que nomeiam a si mesmas ou aos seus trabalhos conforme a tecnologia que utilizam: 808 State, o disco Superfuzz Bigmuff do Mudhoney. E por aí vai. O que fiz com essas peças artísticas não é tão diferente daquilo que essas bandas fizeram intuitivamente com seus nomes.

No caso de “10 Banned”, sim, trata-se basicamente da colisão entre o analógico e o digital, e dentro dessa colisão está uma piada que muitos não notam: com as ferramentas digitais, idéias de informações “banidas” ou censuradas referem-se à largura de banda, e nada mais.

Uma amostra de vinil sempre soará como uma amostra de vinil: hip hop, industrial dance, avant garde. É a falha inerente ao vinil! O interessante é que, embora seja um casamento digital – do vinil para a amostra digital –, trata-se, agora, de um som digital “datado”.

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